E m uma sociedade perfumada e desodorizada como a nossa, às vezes é difícil definir e até reconhecer os cheiros produzidos por nosso corpo. Eles não são, necessariamente, algo a ser disfarçado com produtos de higiene, embora estes também tenham a sua função de transformar o que captamos por meio do bulbo olfativo em sensações agradáveis.
Mas os odores corporais vão muito além da perfumaria. Eles são a expressão de substâncias químicas voláteis presentes no organismo, que podem tanto indicar a presença de algum distúrbio como gerar reações primitivas e não racionais de atração ou repulsa.
Os especialistas conseguem explicar melhor os mecanismos de cheiros considerados desagradáveis, como a bromidrose (odor provocado pela ação de bactérias no suor). Já os odores corporais considerados agradáveis são mais difíceis de explicar.
O cheiro do bebê, por exemplo, tem causas difíceis de definir, mas efeitos poderosos e sensíveis. Ele estimula a produção de oxitocina, "o hormônio do afeto e das relações doces e puras", de acordo com a endocrinologista Vânia Assaly, da International Hormone Society. Relacionada às contrações do parto e à produção de leite na amamentação, a oxitocina é responsável pela sensação de prazer que a presença de um bebê traz -sensação especialmente forte na relação da mãe com o filho, pois ela também identifica, pelo odor de sua cria, a própria identidade genética.
Além disso, a reação aos odores tem fortes componentes subjetivos e culturais. A repulsa a determinado cheiro pode estar ligada à memória olfativa individual, que associa o odor a situações ruins vividas. Hábitos socioculturais podem, ainda, determinar o grau de aversão ou atração a certos cheiros.
Características genéticas também podem fazer com que as pessoas tenham uma percepção diferente dos cheiros, diz Bettina Malnic, professora do Instituto de Química da USP (Universidade de São Paulo). "Um estudo recente mostrou que pessoas com um gene que havia sofrido mutação consideravam agradável o cheiro da androesterona, substância derivada da testosterona e presente no suor e na urina. Já as com o gene normal achavam o odor desagradável."
Para entender melhor o que acontece com os odores corporais e por que exalamos diferentes cheiros, a Folha consultou especialistas de diferentes áreas --endocrinologistas, dermatologistas, nutricionistas e especialistas em perfumes, entre outros. Leia a seguir suas explicações para dúvidas sobre os cheiros do corpo.
Todo suor tem cheiro?
Apenas o suor produzido pelas glândulas apócrinas causa mau cheiro. Este ocorre quando as bactérias naturalmente presentes na pele entram em contato com as proteínas e gorduras que fazem parte da composição desse suor, causando o odor desagradável conhecido como bromidrose.
Por que os adolescentes costumam ter odores corporais mais acentuados?
A partir da puberdade, começam os primeiros picos de esteróides --hormônios sexuais produzidos inicialmente na glândula supra-renal e depois nos ovários e nos testículos. Essa mudança hormonal também faz com que as glândulas sudoríparas apócrinas, até então inativas, comecem a funcionar. Localizadas nas axilas e na região genital, essas glândulas produzem o tipo de suor que, em contato com as bactérias da pele, causam o mau cheiro.
Mulher tem cheiro diferente de homem?
Na mulher, os odores corporais oscilam em relação ao ciclo menstrual. Há fases que propiciam o aumento de uma bactéria natural da flora vaginal e do ácido lático, protetor da vagina. As secreções produzidas nesse período têm um odor típico, diferente do produzido em outras fases, mas que é normal. No homem, a maior concentração de androsterona (substância derivada da testosterona) no suor e na urina causa um odor característico.
O cheiro interfere na atração sexual?
Teoricamente, a mulher na fase fértil pode transmitir um cheiro que informa ao homem que está mais receptiva ao sexo. Estudos também sugerem que elas seriam capazes de identificar, pelo "cheiro", homens com perfil imunológico complementar ao delas. Esse seria o odor dos feromônios, substâncias ligadas ao reconhecimento sexual. Trata-se de um mecanismo comprovado entre os animais mamíferos, que garante filhos mais fortes.
Em humanos, o tema é polêmico. Isso porque a identificação dos ferômonios é feita por uma estrutura chamada órgão vomeronasal. Embora nós tenhamos essa estrutura, acredita-se que ela seja só um resquício de nossos ancestrais, sem função atual.
Existe cheiro de bebê?
O suor do bebê vem das glândulas écrinas e, portanto, não produz cheiros perceptíveis. Mas há um odor de bebê, difícil de definir, que cada mãe consegue identificar como o de seu próprio filho.
O provável cheiro de bebê é relacionado às sensações causadas pela oxitocina --hormônio em que a mulher fica como que embebida na relação de cuidado e amor com sua prole. Uma grande quantidade de oxitocina é liberada durante o trabalho de parto e a amamentação. O hormônio é detectado por receptores do centro emocional do cérebro, o sistema límbico, e produz sensações de conforto e prazer. Pesquisas apontam que a oxitocina tem um papel central na criação de vínculos entre a mãe e sua prole.
Por que perfumes "pegam" mais em algumas pessoas?
A fixação do perfume varia de acordo com o tipo de pele. Ele se fixa melhor nas peles oleosas do que nas secas. Quando o extrato córneo (superfície da pele) é mais grosso, a fixação é menor. Em quem sua muito, o perfume também se fixa menos: o suor dilui as essências antes de elas penetrarem na pele.
Os odores corporais mudam com o tempo?
No envelhecimento, a diminuição da produção dos hormônios sexuais faz com que os odores corporais sejam diferentes. A alteração dos níveis de líquidos corporais também pode influenciar o cheiro. Além disso, podem surgir odores relacionados a doenças específicas, mais prevalecentes na população mais velha.
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